Olá.
Hoje é sexta-feira, dia 23 de abril do ano 2021.
Abri meu livro – o Não me Abandone – com uma citação do escritor russo Isaac Babel:
Uma história bem contada não precisa se assemelhar à vida real. A própria vida tenta, com todas as suas forças, assemelhar-se a uma história bem contada.
Ontem, cometendo o texto que segue, lembrei-me de outra passagem envolvendo Babel: sob pressão do governo Stalin – terminaria assassinado pela NKVD –, ele começa a escrever cada vez menos. Perguntado a respeito, respondeu que tinha se transformado em um mestre no gênero do silêncio.
Entre silêncios, páginas, um gole e um bj, boa leitura e bom fim de semana.
ANALÓGICO
– Meu pai, o mais analógico dos humanos, resolveu ser digital.
– Sério? Parabéns!
– Eu poderia saber por que você está me parabenizando?
– Sério?
– Você quer parar de dizer “sério?”. Claro que é.
– Mariana, o primeiro sério foi retórico, o segundo foi porque é uma coisa útil, inclusiva. Meio atrasado, até, né? Mas, boa.
– Boa pra quem?
– Boa pra ele que não vai sentir-se excluído dos tempos e pra você. Repito, vai ser bem útil. Você vai ver.
– Você não tem ideia.
– Tenho sim. Minha mãe, por exemplo - aliás, sua amiga em tudo quanto é aplicativo, às vezes me faz passar vergonha; eu aviso algum descuido, ela se chateia, mas, no fim, é bem bom.
– Não… a tia Harriet é normal! Ela dá as rateadas dela, compartilha umas coisas estranhas, ainda apanha do corretor, mas é normal. Ela é cool.
– Você só vai precisar um pouco de paciência até ele pegar todas as manhas. Depois é tranquilo - ele esquece você. De qualquer maneira, se conheço a minha amiga, no fim, você é quem vai querer fiscalizar o celular dele.
– Claudinha, você não está entendendo. Eu não vou precisar ensinar nada. Ele é quem está cheio de ideias e teorias. Acha que já sabe tudo - até acho que já sabe bastante mesmo, e quer discutir comigo. Quer dizer como devo usar meu celular!
– Juro que me deu vontade de perguntar “sério”? Mas, vou mudar a pergunta: como assim?
– Menina, só para dar um exemplo: ele diz que as redes sociais, e o próprio celular, são indutoras de conversas compulsivas. Diz que nas redes não existe uma coisa muito importante, o silêncio. Diz que se as pessoas ficarem sem se manifestar, as redes vão fazer elas sentirem-se excluídas; e que na compulsão da fala e das opiniões, as pessoas falam do que não sabem, “dizem besteira”. Ele quer um botão - “botão”, ai meu Deus, de silêncio obsequioso. Tipo assim, “não vivenciei, não li, nem estudei isso. Posso ficar quieto?” E as pessoas entenderiam e dariam suporte ao silencioso.
– Interessante. Mas, acho que não ia funcionar muito. Botão de silêncio?
– Espera, tem mais. Ele diz que não conseguiu melhorar a imagem ou o conceito sobre nenhum amigo, ou conhecido, através das redes. Quem se saiu bem, diz ele, empatou.
– Aí eu acho que ele está muito certo!
– Começou. Era só o que me faltava.
– Mas é verdade!
– Mais: as redes seriam uma má obra de ficção, seriam fakes. Ele diz que os perfis são um monte de historinhas, que não espelham a vida. Até as pessoas que confessam defeitos tentariam fazê-lo de uma maneira engraçadinha, pra parecer virtude. E que só soltam seus demônios para apontar dedos e acusar alguém de alguma coisa. Só existiriam guardiões do bem. O mal, coitado, estaria órfão nas redes.
– Muito bom… acho que tenho que conversar com seu pai… mais alguma coisa?
– Sim. Ele quer a morte dos algoritmos e adora emails. Pode?
– Peraí…
– O que foi?
– Adivinha quem acaba de me mandar um email?
– Sério?
Vitor Bertini
Da série, compartilhar é o novo abraço:
Da série, assinatura é quase amor:
As ilustrações desta página são todas de domínio público e disponíveis na web;
Filha do Millor, a frase “livre pensar é só pensar”, começa a ganhar linhas no meu canto no Twitter: @vitorbertini - you are welcome;
Notícia. Esta é uma publicação de ficção. Todos os personagens e suas circunstâncias são ficcionais. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência;
Sexta-feira, dia 30, tem mais. Ou, a qualquer momento, em edição extraordinária.