Confissão
#13 Como André seguia cortando nacos de queijo, Maria Isabel não se fez de rogada e seguiu narrando as lembranças.
CONFISSÃO
Homem de poucas palavras, habilidoso em seus silêncios, André bebeu um gole mais longo quando Maria Isabel, sua esposa há 20 anos, sentando à mesa, brindou agradecendo as flores.
Sorrindo, quieto como um confessor de si mesmo, André voltou-se para ver e apontar com a cabeça, no centro da mesa da sala de estar, o enorme buquê de rosas que ele não havia enviado.
– Aquele foi um dia especial – suspirou a esposa, para continuar, – aquele buquê, como este, veio sem palavras escritas. Adorei… – falou sorrindo, procurando em vão o olhar do marido.
André começava a juntar as peças. Naquela mesma noite, há exatos 25 anos, ele tinha dois compromissos: um jantar com seu futuro professor orientador em Heidelberg e a cerimônia de formatura da concorrida amiga da turma, a linda Maria Isabel. O bacharel foi jantar com o professor e mandou para o local da cerimônia, sem nenhuma identificação além do nome da agraciada, um enorme buquê de rosas.
– Você recorda do alvoroço que aquele buquê causou? Quer dizer, você soube depois. As flores e seu misterioso remetente, para uma turma de psicólogas! A pauta da festa! – Completou, agora rindo e procurando, novamente, o olhar do marido.
Como André seguia cortando nacos de queijo, Maria Isabel não se fez de rogada e seguiu narrando as lembranças.
– O Luisinho quase enlouqueceu! Bobo querido. Quando descobriu que as flores eram suas, então… Sério, cheguei a pensar que ele iria romper a amizade com você. Quem diria que virariam sócios! – falou, espichando o cálice em direção ao marido.
– Luisinho… Sr. Luis Roberto de Almeida Bruges – balbuciou André, traindo seu silêncio e levando seu olhar para algum lugar longe dali.
No tempo da frase, a consciência que a esposa ainda não sabia da dissolução litigiosa do escritório, muito menos do que Luisinho, rancoroso ex-amigo e eterno admirador de Maria Isabel, seria capaz. No tempo da frase, André, um ex-aluno marista, arrependeu-se de todos os pecados junto à esposa.
Quando os olhares se reencontraram, o advogado buscava coragem. Estava disposto a tomar a iniciativa contra tudo o mais que seu ex-sócio poderia fazer, ou contar, e praticar um amplo gesto de contrição:
– Bebel, meu amor… – começou, respirando fundo e servindo de vinho o cálice da esposa.
– Espera – interrompeu Bebel. – O que houve? Você ficou pálido! Está tudo bem? – Perguntou, afastando o cálice.
Na hesitação de André, ela prosseguiu:
– Você não ficou assim só por eu ter brincado e repetido seu gesto, não é? Só comprei flores! Para comemorar!
Como o sorriso e a cor haviam voltado ao rosto do marido, Maria Isabel reaproximou o cálice e esquentou o olhar:
– Aliás, fazia tempo que não enfeitávamos a sala com rosas, não?
– Maria Isabel, meu amor… Eu ia dizer que te amo, que adorei a lembrança daquele dia e que, veja como as coisas são, também estava com saudades de ver rosas na sala – concluiu André, voltando a administrar seus silêncios.
Vitor Bertini