A História de F.
#53 … e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
Olá.
Hoje é sexta-feira: pouco papo e muita reza.
Entre textos e pinturas, goles e beijos, boa leitura e bom fim de semana.
A HISTÓRIA DE F.
– … e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.
A lembrança da mãe ajoelhada ao lado de sua cama, rezando o Pai Nosso, acompanhou F. uma vida inteira. Primeiro, como acalanto. Depois, assombração.
F. não lembrava quando parara de rezar. Lembrava dos livros, das aulas, da sua lógica imbatível e da inexorável marcha da história. Lembrava também das conversas com sua mãe.
– Meu modo de pensar é mais razoável do que a fé de vocês. Vocês fazem planos, estabelecem metas e jogam suas incertezas e medos nas mãos de um Deus qualquer. Nunca funciona.
Ano passado, morreu a mãe de F.
– A consciência plena dos fatos não se dá de uma única vez. Camadas de convencimento vão sendo depositadas no fundo da alma, uma após a outra, em intervalos loucos de tempo. Minha mãe morreu triste. Agora, sei disso.
Este ano, F. não ficou bem.
Deitado, F. sentia seu próprio cheiro e ouvia, vindo da rua, a trilha sonora de uma vida que parecia não fazer sentido. Sempre deitado, exausto, F. enxergou a curva da história nos olhos fixos do cão negro da sua depressão.
Encolhido, coberto até a cabeça, F. chorou.
Chorando, lembrou da mãe. Soluçando, escorregou da cama e, de joelhos, repetindo baixinho, tentava recordar:
– … seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu.
Vitor Bertini
Lembrou alguém?
Ontem, tudo por aqui era ficção; hoje, também.
Sexta, dia 06, tem mais.
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