Olá.
Hoje é sexta-feira, e isto basta.
Entre olhares, textos novos, livros e goles, um bj, boa leitura e bom fim de semana.
OS OLHOS DE NOÉ
Noé nasceu, – distraído este menino, sem sustentar o olhar da mãe. Na ignorância de todos, cresceu enxergando pouco. Nas rezas e promessas das velhas, foi sendo criado em casa.
Terceiro filho de uma família pobre, Noé moldou o mundo às suas vistas embaçadas, virou menino forte e não sabia o que era reclamar.
Cuidava do pátio, dos cachorros e da casa. Conhecia os caminhos da rua e aprendeu a comprar pão. Reconhecia as pessoas pelo vulto e as notas de dinheiro contra a luz. Ouvia música, os gritos da sua mãe e a voz doce de Maria Rita.
Sua vizinha desde sempre, a criança Maria Rita tinha medo dos cachorros.
– Venha, não tenha medo. Prendo eles.
– Primeiro você prende, depois eu vou.
Cães presos, ela pulava a cerca e vinha correndo. Subia nas árvores, comia bergamotas descascadas pelo amigo e, pelo menos uma vez, perguntou se era verdade que ele não enxergava direito.
Um dia, Maria Rita foi para o colégio e Noé ficou sentado no pátio - sozinho, distinguindo sombras.
Sua vizinha, agora, era só a voz que, de tempos em tempos, abanava da janela:
– Bom dia, Noé.
– Bom dia, Maria Rita.
Tempo depois, a morte de um dos cães trouxe Rita de volta.
– Mamãe falou que o Branco morreu.
– É verdade – respondeu Noé, olhando como se visse os detalhes de sua amiga e apontando para o lado do banco de madeira. – Você quer sentar?
– Obrigada – disse, sentando. – Me deu um remorso. Eu fazia você prendê-los.
– Não liga. Agora mesmo o Preto está preso – devolveu, sorrindo.
– Você está bem?
– Sim, bem. Com saudades da sua voz por aqui.
– Pois é. Ainda mais agora, que comecei a trabalhar – suspirou a visita, fazendo uma pausa.
Noé calou. A vida lhe ensinara muitas coisas. Entre elas, traduzir respirações.
– Estou trabalhando de auxiliar de limpeza na biblioteca da escola – prosseguiu Maria Rita. – Não pagam muito, mas, sabe, eu posso retirar os livros que quiser.
A seguir, desviando o olhar e falando baixinho, concluiu:
– Sempre lembro de você quando vejo alguma coleção com imagens bonitas.
Antes do tempo de um constrangimento, Noé voltou à conversa:
– Será que tem algum livro sobre catedrais? – Perguntou.
– Catedrais? Acho que deve ter, sim.
– Eu gostaria de saber se são parecidas com as dos meus sonhos.
– Se eu achar, posso vir ler suas histórias e descrições pra você. Você quer?
– Eu faço o café.
Anos mais tarde, quando a moça de branco veio trazer a notícia de que tinha corrido tudo bem no parto, que a criança era um menino e que Maria Rita estava feliz, Noé lembrou da sua vida:
– Ele é distraído?
– Nada, super atento, não tira os olhos da mãe.
Chorando de olhos fechados, Noé entrou em sua catedral imaginária. Só queria rezar e agradecer.
Vitor Bertini
Aqui, Noé é ficção. Maria Rita também;
Terminaram, de verdade, os replays setembrinos;
Sexta, dia 8 de outubro, tem mais;
Mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão verde perdido por aí.
FATIAS DE LIVRO
Gostei:
Estudantes paulistas que vão para uma universidade em Carolina do Norte, debruçam-se felizes à amurada do barco e fazem sinais para a terra. No convés inferior os rapazes do Botafogo F. C. berram aleguás tropicais para os torcedores, que lá debaixo lhes respondem com vivas e bandeiras.
…..
– O senhor é da missão do Botafogo?
Respondo-lhe que não. O desconhecido faz meia volta e sai a correr, gritando. “Nariz! Onde está o Nariz?” E eu fico, com a doce melancolia de não pertencer a nenhuma das missões que se encontram no vapor. Nem estudante paulista, nem jogador de futebol.
– Érico Veríssimo, Gato Preto em Campo de Neve, Editora Globo, 22ª edição, 1996.
Preço no sebo: menos do que uma fatia de pizza.
Os Olhos de Noé