Silêncio & Blau
#18 Naqueles dias seu nome era Blau. Era jovem, inocente, e a vida parecia rosa.
Olá.
Por diversas razões, algumas que talvez nem eu saiba, meus primeiros textos públicos foram sobre cães.
Aliás, o resultado deles foi o espectacular livro "Não me abandone”, editado pela Esquina do Lombas. O quê? Você ainda não leu?
– Você está saindo da pauta! Volta, Bertini.
Retomando o tema dos textos envolvendo cães: aí vão dois, a pedido. Obrigado.
Entre uma página, um latido, um gole e um bj, boa leitura e bom fim de semana.
SILÊNCIO
Companhia de cachorro é silenciosa, mas não é.
Cachorro late, rosna, chora, emite ganidos e, não bastasse tudo isso, pula, corre, senta, deita, rola e agita, tentando fazer ainda mais barulho. Até o momento em que você não está bem. Aí ele senta quieto, olha para você e faz o mais sublime, solidário e compreensivo silêncio do mundo.
Depois, deita aos seus pés.
BLAU
Naqueles dias seu nome era Blau. Era jovem, inocente, e a vida parecia rosa.
Naquela fatídica manhã, na casa dos Hatt, todos despertaram quando o dia ainda não era dia e o cheiro de café tomava conta da casa. Saíram cedo levando a voz de comando do pai, os passos rápidos da mãe, os meninos com suas mochilas e o pequeno Blau, agora sem a coleira. Blau lembra que o dia estava frio e ventava. Blau lembra também que o trajeto foi tão demorado quanto a vida que ele conhecia e que na van ninguém falava. Depois, tudo aconteceu muito rápido.
O Sr. Hatt parou a van, abriu a porta, e Blau foi empurrado pra fora. Tão rápido foi o desembarque – uma pata terminou dentro de uma lata com restos de tinta branca – quão rápida foi a arrancada da van na direção do vento. No vidro traseiro, dois pares de olhos fixos testemunhavam a cena.
Com a pata suja e o coração acelerado, o pequeno cão olhava para todos os lados e girava rapidamente sobre si mesmo tentando entender. Cheirava e ouvia, todo atenção. O olfato perdeu o rastro, os ouvidos trouxeram o som do vento, o olhar não reconheceu ninguém, o dia ficou mais frio, a rua mais deserta, os muros começavam a crescer quando uma descarga de adrenalina trouxe o gelo da certeza. A certeza de que a vida nunca mais seria a mesma. Blau não era mais Blau. Agora, era um cão de rua com uma pata pintada.
– Eu, que de amores meus só tinha vocês, por quê? – pensou, cerrando os olhos.
Quando abriu os olhos, Bénya, um outro cão de rua, estava olhando fixo para ele.
A vida do pequeno cão abandonado não seria nunca a vida de Blau.
Serviço:
A ilustração de hoje é do artista Alexandre Flores Torrano
Para comprar o "Não me abandone”: Amazon.