Uma dúzia de rosas
#86 A verdade é que vocês, homens, não enxergam as flores.
Versteckt, 18 de março de 2022.
– Olá, hoje é sexta.
– Mais coisas acontecem abaixo da superfície do que nela.
– Por que você disse isto?
– Sei lá, achei que fazia sentido.
Entre diálogos, gestos, beijos e queijos, boa leitura e bom fim de semana.
UMA DÚZIA DE ROSAS
– A verdade é que vocês, homens, não enxergam as flores. Acham que elas nascem às dúzias e envoltas em papel celofane.
– Só achei que você fosse gostar. Só isso.
– Não é disto que estou falando.
– Então, não entendi.
– Conveniente, não? E correto. Realmente, você não entende nada.
– Passei na florista, vi as flores. Lembrei que você gostava de flores. Ponto. Não sabia que eu precisava fazer um curso de jardinagem.
– Pronto… a hora da ironia!
– Que ironia?
– A minha.
– Ah… Então você gostou das flores?
– A sua.
– Minha o quê?
– Falta de noção com relação às flores.
Eduardo levanta e vai examinar o buquê. Volta. Senta.
– Noção total. Uma dúzia de rosas.
– Nasceram assim.
– Acho que não. A música fala em ainda em botão. Devem ter nascido botões.
– Volta e faz o cursinho.
– Viu? Não era ironia, era conhecer você.
– Ironia foi o cursinho. Conhecimento, para vocês, é no diminutivo.
– Vocês quem? Eu estava só.
– Onde?
– Na florista.
– Na floresta.
– Começaram os trocadilhos.
– Já terminei: vocês não enxergam as flores.
– Me conte o que não enxerguei.
Maria Lúcia levanta-se e coloca o buquê em um vaso com água. Fala com as flores.
– Vocês são lindas. Melhor agora?
– Ainda não entendi o que não enxerguei.
Maria Lúcia coloca a mão atrás de uma orelha. Gira a cabeça em relação ao buquê, abaixa-se. Fica abaixada cinco segundos. Levantando-se, tira a mão da cabeça e a coloca na cintura. Volta-se de costas para as flores. Olha para Eduardo.
– De que cor é o celofane?
– O quê?
– De que cor é o celofane?
– Fala sério.
– Nunca falei tão sério. De que cor é o celofane, Eduardo?
– Maria Lúcia, não são doze rosas. São dez. Faltaram duas, Maria Lúcia. Perdoa. Eu sabia que eram dez. Não tinha mais uma dúzia. Só queria agradar você.
Maria Lucia sorri. Tira a mão da cintura e ajeita o cabelo.
– E o celofane?
– Juro que não sei nada sobre cor de celofanes.
– Você está começando a enxergar.
Maria Lúcia vai até Eduardo e o beija. Eduardo acha que já sabe tudo de flores.
Vitor Bertini
Compartilhar é o novo abraço.
Este texto é uma ficção. Eduardo e Maria Lúcia habitam músicas diferentes;
Mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão verde perdido por aí.
TAKE A PEEK
Assim como nós, em momentos similarmente críticos, podemos sentir necessidade de ouvir a outra pessoa dizer a mesma coisa, tranquilizadoramente, muitas vezes.
– Para ler como um escritor, Francine Prose, Zahar, 2008
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